domingo, 20 de março de 2011

Mulher solteira procura




Aos 18 anos, o escritor Caio Fernando Abreu escreveu o conto O Príncipe Sapo, que foi publicado na época pela revista Cláudia, e que hoje pode ser lido no seu Ovelhas Negras. É a história de uma mulher que tem 11 irmãs. Todas casam, menos ela. Em 1966, quando Caio escreveu est sensível parábola, o preconceito contra a solteirona era muito forte. Hoje, mais de 30 anos depois, também é.
Olhem bem para aquela garota sentada num bar, moderníssima. Ela quer casar. Mire nos olhos da balconista que acabou de atender você. Também quer. A aeromoça, idem. Sua prima, então, não vê a hora. Sim, elas são independentes, viajam, levam camisinha na bolsa, vão ao teatro, e lêem Camille Paglia. Mas querem casar, pomba!

Não adianta remar contra a maré. Desde que nascemos, fica combinado assim: cresça, estude e case. Depois faça o que bem entender da sua vida. Tudo te empurra para o altar, a começar pelos desenhos animados. Branca de Neve, Cinderela, até o Mogli encontra sua cara-metade. Festa de São João termina em casamento na roça. Desfile de moda termina com vestido de noiva. Novela termina diante do padre. O recado está dado: casou, cumpriu. Se vai ser feliz, são outros quinhentos.

Os homens também tem que seguir a mesma trajetória, mas a cobrança é menor. Não existe um relógio biológico apressando a paternidade e não há tanto preconceito se a solteirice estender-se um pouco além da conta. Símbolo de status, para os homens, é um carro importado, um terno feito sob medida e meia dúzia de cartões de crédito. Para as mulheres, nada disso parece valer grande coisa sem uma aliança no dedo.
Pois bem. Não casou aos 20, não casou aos 30, mas está a fim. O que fazer? Primeira providência: olhar-se no espelho demoradamente. O que você vê? Olhos castanhos, boca miúda, corpo razoável. Nenhuma obra-prima, mas nada que um batom e um decote não resolvam. Avaliação errada. O que os homens podem enxergar em você é um certo olhar de filhote abandonado, uma ansiedade à flor da pele, uma carência afetiva das boas. Olhe no espelho de novo. Por trás da maquiagem, pode haver uma mulher suplicando par que tomem conta dela. Cuidado, eles farejam no ar.

Solteirice indesejada rima com amargura, ironia, baixo astral. É assim que você quer arrasar corações? Homem nenhum quer responsabilizar-se por uma marmanja, ainda mais de mal com a vida. Assuma sua solidão, tire proveito dela, mostre ao mundo que você se basta, mesmo que não tenha certeza disso. Homens querem companheiras, não irmãs mais moças que necessitam de guarda-costas. Se você ficou solteira mais tempo do que desejava, comporte-se como casada, e terá todos os homens a seus pés.

Mulher casada não está nem aí para o estado civil dos outros homens. Mulher casada não avalia "partidos": para ela, todos os homens são interessantes. Mulher casada não fica aflita para que peçam seu número. Mulher casada está pouco ligando para o que os outros pensam a seu respeito. Enfim, a mulher casada é infinitamente mais livre do que a solteira, pois já cumpriu o papel que a sociedade exigiu dela - casou! - e agora tem o resto da vida para ser ela mesma. Ninguém pode ser mais autêntica.

Vamos brincr de manual de auto-ajuda. Em primeiro lugar, aparente ser muito ocupada, mesmo que passe todas as noites comendo doritos em frente à tevê. Mantenha correspondência com alguém misterioso, nem que seja seu irmão que mora em Itapecerica da Serra. Tenha alguns segredos e dê a entender que sua vida sexual deixaria Madonna escandalizada. Entre nos lugares já de olho no relógio, como se estivessem esperando você no outro lado da cidade. Demonstre ser absolutamente indisponível.
E volte correndo para casa: seu telefone já começou a tocar.

Martha Medeiros, Topless: 2009

domingo, 13 de março de 2011

Doidas e Santas


Doidas e Santas


Martha Medeiros, poeta, cronista, romancista, conquistou o Brasil com seus textos, publicados em jornais de repercussão nacional, sites e livros que se transformaram em best-sellers.
Doidas e Santas reúne cem crônicas que falam direto ao coração de suas leitoras e seus leitores. Nelas, Martha expõe os anseios de sua geração e de sua época, tornando-se uma das vozes mais importantes entre as recentemente surgidas no cenário nacional. As alegrias e as desilusões, os dramas e as delícias da vida adulta, as neuroses da vida urbana, o prazer que se esconde no dia-a-dia, o poder transformador do afeto, os mistérios da maternidade, enfim, o cotidiano de cada um de nós tornou-se o principal tema da autora. Como toda grande artista, ela consuma o sortilégio da literatura:
Traduzir e expressar o que vai na alma de sua enorme legião de admiradores.
Dona de uma sensibilidade incomum, Martha Medeiros tem para tudo um olhar, uma reflexão e uma reação fresca, nova, de alguém que pela primeira vez se depara com o inesperado, seja o assunto o Dia dos Namorados, a decisão de se começar a fumar, um sentimento de desconforto por qualquer coisa, uma paranóia que se imiscui sub-repticiamente ou um amor que acaba. Sempre terna e indignada, amantíssima da cultura contemporânea e dona de um imbatível senso de humor, em suas crônicas - assim como em sua poesia - Martha torna, para todos nós e com muita destreza, mais palatável o imponderável da vida.

terça-feira, 8 de março de 2011

Soneto do Orfeu




Soneto do Orfeu

São demais os perigos dessa vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida

E se ao luar, que atua desvairado

Vem unir-se uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher

Uma mulher que é feita de música

Luar e sentimento, e que a vida
Não quer, de tão perfeita

Uma mulher que é como a própria lua:

Tão linda que só espalha sofrimento,
Tão cheia de pudor que vive nua.

Vinicius de Moraes